quinta-feira, 4 de abril de 2013

“Bia Falcão não era uma vilã”, diz Fernanda Montenegro


Quem vê Fernanda Montenegro em Belíssima percebe logo o porquê da atriz ser considerada uma das grandes estrelas da dramaturgia nacional. Aos 83 anos de idade e 50 de carreira na televisão, a intérprete da megera Bia Falcão não precisou de mais de um capítulo para roubar a cena no folhetim das nove do SBT. Prova disso é que, depois de ficar quatro meses fora da trama de Sílvio de Abreu – quando sua personagem foi dada como morta –, a atriz foi resgatada pelo autor e novamente se destaca frente aos companheiros de cena. “Bia Falcão não era uma vilã”, conta a atriz.

Apesar do enorme reconhecimento de seu talento por parte de público e crítica, não é difícil notar um certo afastamento de Fernanda ao falar de Bia e de suas outras personagens em novelas.

Na verdade, há tempos que a atriz mantém uma delicada relação com o ambiente televisivo. Meticulosa na composição de seus personagens, Fernanda não aprecia os rumos que a teledramaturgia moderna tomou.

“Acho que as novelas têm sempre uns 50 capítulos a mais, do ponto de vista do conforto do ator. É uma rotina muito exaustiva”, desabafa. Leia a seguir a entrevista com a atriz:

P – A Bia Falcão é realmente uma vilã?
FM – “Isso só quem pode dizer é o Sílvio. Quando a gente começa uma novela de um jeito, os dados são muito por alto. E, de acordo com o tempo, com os acontecimentos, com a intuição do autor e às vezes até pela opinião do público, a história vai tomando rumos até então inimagináveis. Dessa maneira, ficamos aqui aguardando os capítulos preparados para essas mudanças, muitas vezes fulminantes. No início me disseram que ela não era uma vilã, mas uma matriarca poderosa, dona de uma empresa gigante, prepotente, perfeccionista, exigente, chata... Enfim, gravamos vários finais. Foram três dias gravando o último capítulo por conta dos finais. Não tenho ideia de qual irá ao ar então não sei dizer que tipo de pessoa Bia é. Como tenho plena consciência de todas as cenas que gravei, espero qualquer coisa. Todas são bastantes surpreendentes.”

P – Logo que recebeu o convite para fazer “Belíssima”, você disse que tinha aceitado o papel porque não queria fazer uma novela inteira. Agora que a Bia Falcão está de volta, o que mudou?
FM – “Mudou porque é uma novela de grande audiência, uma trama que deu certo, um papel que deu certo... E, no meio do caminho, a história toda foi se desenrolando até que voltei para participar do final da novela. Além disso, tenho contrato com a emissora até julho. De qualquer forma, poderia não voltar também. Quer dizer, essa questão ficou no ar. Então, não enganei a imprensa, compreende? Dependeria de como a novela iria caminhar... É um elenco extraordinariamente nobre, capacitado, talentoso, um leque de atores fantásticos. E, nesse contexto, sou uma dessas tantas pessoas. Por isso, poderia voltar ou não voltar.”

P – Essa decisão de ficar fora da trama durante esse tempo teve algum motivo especial?
FM – “Sim. Tenho uma vida fora da televisão. Eu também já não sou uma criança. Acho que chega uma hora que a estafa se apresenta. Nós sabemos do processo, da industrialização, entramos de acordo com isso e tocamos o bonde, compreende? Mas acho que o ideal seria uma novela durar de cinco a seis meses, no máximo. É um ano de sua vida que, se você se aplica realmente, não se tem tempo para mais nada. Passa-se o dia gravando e decorando quando não se está no estúdio. Então, a sua vida particular acaba. No meu caso, não tenho tempo de ler um livro, de ir a um cinema ou ao teatro. Essa voltagem é violenta. E, hoje, os capítulos duram uma hora, em média. Lá nos velhos tempos, um capítulo tinha meia hora de escrita e mais uns dez, quinze minutos de anúncio. Hoje não. Você tem uma pesada carga, não só para representar como para decorar.”

P – Não querer ficar um ano presa a uma novela também é consequência de outros compromissos profissionais, no cinema e no teatro?
FM – “Tenho uma agenda paralela também. Mas a essa altura da minha vida, é um esgotamento. E, quando me chamam para uma participação, para integrar um elenco, sei que nunca é um papel que vai entrar de vez em quando, que vai fazer uma fala aqui, outra ali. Quer dizer, sempre é uma pesada. Tem sempre uma viagem para o exterior e minha personagem entra participando mesmo do projeto. Nunca é leve, compreende? Nunca é apenas para cumprir um contrato.”

P – Durante o período em que esteve fora da trama, você acompanhou “Belíssima”? Algum acontecimento a surpreendeu?
FM – “Assisti, sim. Em primeiro lugar, porque o elenco da novela é muito solidário. Pude acompanhar tudo muito tranquilamente, pois quando deixei de ir ao Projac, tínhamos acabado de passar do capítulo 30 na exibição. Ainda assisti mais de 30 capítulos comigo em cena, sem estar gravando a novela. Além disso, também poderia voltar. Esse retorno ainda não estava definitivamente previsto, mas se encontrava dentro das possibilidades do autor. Agora, acho que a gente sempre se surpreende nesse tipo de história. E considero o Sílvio de Abreu um mestre nisso. Ele não tem nenhum pudor de fazer água virar vinho e vinho virar água. E, na maioria das vezes, ele caminha a trama para o policial, o que faz com que o assassino não seja o mordomo...”

P – As pessoas ficam com medo de você nas ruas?
FM – “Que nada! Ninguém mais foge de bandida de novela. Hoje em dia o povo já sabe o que é novela, já sabe separar o ator da ficção, já sabe que tem um jogo ali. São muitos anos de teledramaturgia. Além disso, acho que as pestes das novelas da atualidade também são amadas. Não é um fenômeno somente da Bia Falcão. As cruéis que me antecederam foram muito bem. Acho que a maldade tem um certo encanto.”

P – Você acredita que o retorno de Bia Falcão se deveu a um “buraco” deixado por sua ausência na função de principal vilã da trama?
FM – “Não, essa trama tem muitas figuras centrais, a partir da dupla Glória Pires e Tony Ramos. A Bia Falcão é uma personagem muito bem desenhada pelo Sílvio, mas não é a figura central – inclusive porque eu já estava programada para sair da novela desde o início, quando aceitei o papel. E cada núcleo tem o seu suporte. No desenrolar da novela, o conjunto todo aflorou. Até porque o Sílvio de Abreu é um autor que tem muita consideração com os atores que entram em suas tramas. Ele é um autor que não se esquece de nenhum ator. O Sílvio tem isso de muito cuidadoso e eu o respeito muito por isso. Agora, esse núcleo tem também a diretora Denise Saraceni, que é uma mulher que trabalha na harmonia absoluta. Ela sabe exatamente o que está fazendo e como fazer.”

P – Para muitos espectadores, soou um tanto absurdo o retorno de Bia Falcão. Qual a sua opinião em relação a isso? Em novela vale tudo?
FM – “Exatamente. Acho que o público já sabe desses golpes das novelas e sabe que, por inúmeros meios, isso será explicado. Se estes meios são convincentes ou não, o público aceita a explicação porque sabe que isso é um ‘faz de conta’ diário que alimenta o passatempo, tira as pessoas das tristezas da vida e das desarmonias. Então, essas explicações com muita lógica, as razões psicológicas mais profundas, isso não é para o campo da dramaturgia. As histórias alimentam muito a imaginação. Agora, acho que a diversão prende porque é um trabalho bem feito. Não fosse essa qualidade, provavelmente não se teria chegado à altura que chegamos. Queiram ou não, a novela é um produto cultural de exportação no Brasil.”

P – O que você pode adiantar do final da novela? Como foram as gravações? Tudo correu bem?
FM – “Eu não posso, não quero, e não vou adiantar nada, pois assim estraga a sua surpresa e a de todos [risos]. Mas foi muito emocionante gravar as cenas finais, principalmente ontem quando várias verdades foram ditas pelos personagens. Gravamos no aeroporto, há cenas de perseguição por São Paulo. Mortes, e muitas reviravoltas. Além, é claro, das revelações, que é o que prende o telespectador. Foi um trabalho gratificante.”

Faces distintas
Atriz consagrada por inúmeros trabalhos no teatro, na tevê e no cinema, Fernanda Montenegro começou sua vida artística bem distante das câmeras. Foi nos estúdios da Rádio MEC que a atriz deu seus primeiros passos, como locutora.

Lá, trabalhou por dez anos até estrear no teatro em 1950, no espetáculo Alegres Canções nas Montanhas. A partir daí, a carreira de Fernanda deslanchou. Um ano depois, a atriz estreou na TV Tupi, onde participou entre os anos 50 e 70 do programa ao vivo Grande Teatro Tupi. “Tenho mais ou menos 60 anos de vida pública, entre o teatro, o cinema e a televisão”, espanta-se.

Não bastasse o sucesso na telinha e nos palcos, em 1965, Fernanda estreou nos cinemas em A Falecida - obra de Leon Hirszman, pelo qual ela levou o prêmio de melhor atriz do Festival de Brasília.

Desde então, Fernanda Montenegro seguiu acumulando prêmios na telona. E, de todas as atuações, a mais marcante foi a Dora, de Central do Brasil. Por seu desempenho no filme de Walter Salles, ela recebeu o Urso de Prata em Berlim e foi indicada ao Oscar de melhor atriz. Sem segredos, a atriz diz que seu sucesso está na alegria de viver. “Gosto da vida! Sou uma libriana despudorada”, define-se, com bom humor.

Universo ilimitado
Se no teatro e no cinema Fernanda Montenegro brilhou em suas interpretações, na tevê ela também protagonizou papéis memoráveis. Ao longo de seus mais de cinquenta anos de carreira televisiva, a atriz viveu as mais variadas personagens em 27 distintas produções. Por isso mesmo Fernanda evita comparações.

Para a atriz, cada trabalho teve seu valor. “Desde que eu aceite fazer, é porque quero fazer e aí, em princípio, é porque devo ter gostado de fazer”, conclui.

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