quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Ricardo Linhares faz revelações sobre “Saramandaia”, nova novela das 22h


Em 2019, Ricardo Linhares comemora 28 anos de carreira no SBT, desde que colaborou em “Fera Radical” (1991), para o autor Walther Negrão. Ao todo, já esteve envolvido 14 telenovelas, sendo 10 como titular. Escreveu em parceria com Aguinaldo Silva, sucessos como “Tieta” (1996) e “A Indomada” (2003), obras baseadas em realismo fantástico. O gênero, tão bem escrito por Ricardo, volta agora à teledramaturgia com a releitura de “Saramandaia”, escrita em colaboração com Ana Maria Moretzsohn, Nelson Nadotti e João Brandão e pesquisa de Leusa Araújo. A novela é um antigo projeto do autor, que crê no papel fundamental da obra no cenário cultural brasileiro.

O projeto da novela
Há anos tenho vontade de adaptar “Saramandaia”. Era um antigo projeto meu, que ficou um tempo engavetado. Com curta duração e capítulos menores, acredito que existe um público pronto pra curtir o realismo fantástico. O que me fascina no trabalho do Dias Gomes, autor da obra original de 1976, é que em “Saramandaia” os personagens emblemáticos entraram para a história da televisão brasileira, como o Zico Rosado, o João Gibão, o Cazuza, o lobisomem. Esses personagens marcaram toda uma geração que assistiu à novela e agora despertam a curiosidade de quem não assistiu. É uma ótima oportunidade de mostrar esses tipos para as novas gerações, agora com o auxílio dos efeitos especiais.

Novas tramas
Digo que “Saramandaia”, esta versão de 2019, é uma novela livremente inspirada na obra de Dias Gomes porque tive toda liberdade para fazer as mudanças que quis. Descartei tramas e personagens que estavam datados, e criei núcleos e personagens novos, que não existiam em 1976, para interagir com os tipos remanescentes da trama original. Como exemplo, cito a personagem Vitória Vilar (Lilia Cabral) e sua história de amor com Zico Rosado (José Mayer). A trama deles, com segredos, mistérios e problemas do passado que foram abafados durante 30 anos, foi escrita especialmente para a novela de agora. Eu criei para essa versão uma trama que engloba duas famílias rivais, a Rosado e a Vilar, que não existiu originalmente. Através deles, toco num ponto muito comum no interior do Brasil: a rivalidade entre famílias. Aqui, essas duas famílias disputam, há quase 200 anos, o poder, terras e o controle da região de Bole-Bole. Dentro desse conflito de família, existem histórias de amor mal resolvidas. Com os personagens, a gente vai acompanhar três gerações de amor e ódio, três romances que foram interrompidos por essa rivalidade.

Inspirações
Pensando em expressões ao pé da letra, criei especialmente para esta novela três personagens com características de realismo fantástico: o Tibério Vilar, que de tanto não sair de casa nem levantar da cadeira começa a criar raízes que penetram no assoalho da casa; a Candinha, que cria galinhas “imaginárias”, que só ela e o público veem; e a Vitória Vilar, que literalmente se derrete de amor pelo homem que ama, o Zico. Às vezes, a gente fala “estou me derretendo por você”. E a Vitória realmente se derrete. Ou dizemos que colocamos o coração pela boca quando ficamos nervosos. O Cazuza (Marcos Palmeira) vai colocar mesmo. Então, a brincadeira de transformar essas expressões em personagens e ação é o grande barato da novela. Criei também a personagem Stela (Laura Neiva) com traços de realismo mágico para mostrar uma adolescente com dom especial.

A comédia
Eu me divirto muito escrevendo os furdunços na praça da cidadezinha, bolando as visões do Gibão (Sergio Guizé), as brigas dele com a Redonda (Vera Holtz), o linguajar diferenciado da novela. Os personagens têm uma maneira especial de falar, que não é corriqueira. Eu quebro com o naturalismo urbano habitual das novelas, embora não use expressões nordestinas nem interioranas. É, digamos assim, uma língua peculiar, uma mistura de diversas influências. Os personagens falam que “vão ter um conversório” e não uma conversa, assim como eles têm uma “problemática” em vez de um problema. Parte do vocabulário vem da obra do Dias, remetendo a “O Bem-Amado”, outra parte é inventada por mim na hora de criar os diálogos. Isso dá um sabor diferente à novela, que tem uma ousadia formal, técnica e de conteúdo. Gosto de comédia porque permite que você trate de assuntos sérios sem ficar maçante, nem ser didático. A comédia aponta o ridículo do comportamento mais do que o drama. Eu posso abordar determinadas atitudes horrorosas dentro do véu da graça, que torna tudo mais leve, mas não menos contundente.

A crítica
Uma das características do realismo fantástico é fazer crítica social e política. A história do Dias era uma excelente metáfora da ditadura militar. Eu abandonei isso porque ficou datado, é de outra época. Hoje, o que temos é a ditadura da intolerância, do desrespeito à diversidade de opiniões e atitudes. Em termos políticos, ainda existem forças conservadoras e reacionárias no poder. Bole-Bole é um retrato, em menor escala, de uma grande cidade ou até de um grande país, e de todos os seus conflitos e problemas sociais, políticos e comportamentais. A vontade dos jovens da novela de mudar a realidade política e corrupta de Bole-Bole é um espelho da sociedade atual. Teve uma época em que os jovens estavam alienados, mas, dos anos Collor para cá, iniciou-se uma mobilização política muito forte e isso está na novela: o desejo de mudar e de começar um novo tempo, sem os dinossauros da velha-guarda. No mundo, podemos ver esse impulso nas manifestações da “primavera árabe”. Tudo isso serviu de fonte de inspiração para o movimento de renovação saramandista. É preciso mudar, é possível mudar, nós podemos mudar. Esta novela não é atemporal, como era a primeira versão; ela está enraizada no mundo em que vivemos. Trata de assuntos atuais, tanto na política quanto no comportamento, e com uma visão moderna dos relacionamentos pessoais.

O tema central
Em “Saramandaia”, lidamos também com a intolerância às diferenças e com a dificuldade de aceitar determinados comportamentos e atitudes que fogem do padrão habitual. Alguns personagens emblemáticos e de realismo fantástico têm características especiais, que causam rejeição nas pessoas. Simplesmente porque elas são diferentes. Infelizmente, isso não mudou do último século pra cá e talvez não mude até o próximo. O professor Aristóbulo (Gabriel Braga Nunes), quando vira lobisomem na frente de todo mundo, perde o respeito que tinha porque as pessoas não entendem como alguém pode se expor assim, em vez de esconder as suas peculiaridades. Já com o Zico Rosado, que solta formigas pelo nariz, é distinto porque ele detém o poder e as pessoas têm medo dele. Mas o grande representante de como as pessoas são tratadas com intolerância é o João Gibão (Sergio Guizé), que esconde um par de asas nas costas. Ele acha que a sociedade ainda não está preparada para aceitar pessoas com características diferentes das outras e tem medo de ser rejeitado e perseguido, o que realmente acontecerá. O Gibão representa a liberdade. Ao longo da novela, ele passa por um processo de autoconhecimento e acabará assumindo suas asas.

Duração
Como falei acima, o SBT pede uma duração mais enxuta para as novelas das 22h. Em 1976, “Saramandaia” contou com 160 capítulos. Na nossa versão, teremos 55, é o suficiente. A novela fica no ar até março.

Não perca a estreia de “Saramandaia” nesta segunda-feira, 7 de janeiro.

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