domingo, 28 de outubro de 2012

JANETE CLAIR


No dia 25 de abril de 1925, em Conquista, no interior de Minas Gerais, nasceu a filha do comerciante Salim Emmer e da costureira Carolina Stocco. Eles lhe deram o nome de Janete Stocco Emmer, mas na certidão de nascimento ela foi registrada como Jenete, como entendeu o escrivão ao ouvir o nome pronunciado com o sotaque carregado de imigrante libanês. A menina passou a infância em Minas e no interior de São Paulo, sonhando fazer parte do mundo das estrelas do rádio. Na cidade de Franca, no interior paulista, teve sua primeira oportunidade de abraçar esse universo ao interpretar cançonetas francesas e árabes na Rádio PRB-5. Na década de 1940, foi morar com a mãe e o padrasto na cidade de São Paulo. Aos 13 anos, trabalhava como datilógrafa em um escritório da Avenida Tiradentes e, aos 15, no laboratório de análises clínicas de um hospital enquanto fazia um curso de bacteriologista.
 
A estreia na televisão aconteceu depois de um bom período enfrentando preconceito das emissoras e vendo sinopses sendo recusadas sem sequer serem lidas. Em 1964, “O Acusador” foi ao ar na TV Tupi de São Paulo, com direção de Fabio Sabag e com Jardel Filho interpretando dois irmãos gêmeos que trocavam de identidade para solucionar um crime. Em 1943, Janete fez um teste como radioatriz e locutora na Rádio Tupi-Difusora. Aprovada, decidiu seguir carreira, mesmo ganhando menos do que no laboratório. Nos corredores da rádio conheceu, em 1945, o então radioator Alfredo Dias Gomes. Cinco anos depois, estavam casados e morando no Rio de Janeiro. Em 1948, a ligação de Dias Gomes com o Partido Comunista criou problemas na Rádio Tupi-Difusora e ele deixou a emissora para ser diretor de radioteatro na Rádio América. Janete acompanhou o marido e começou a escrever para ajudar no orçamento familiar. Até 1967, ela escreveria mais de 30 radionovelas, a maioria delas para a Rádio Nacional, onde estreou em 1956, com “Perdão, Meu Filho”. Foi nesse período que, por sugestão do radialista Octavio Gabus Mendes, ela passou a assinar “Janete Clair”. O sobrenome pelo qual seria conhecida pelo resto da vida era uma alusão a uma de suas músicas favoritas: Claire de Lune, do compositor erudito francês Claude Debussy.
 
Em 1974, Janete Clair foi chamada às pressas por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, diretor de operações do SBT, para ajudar a salvar uma novela da emissora. “Anastácia, a Mulher sem Destino”, estrelada por Leila Diniz, era uma adaptação do folhetim “A Toutinegra do Moinho”, do escritor francês Emile Richebourg, assinada por Emiliano Queiroz. A novela tinha audiência sofrível, produção muito cara e um número excessivo de personagens. Janete Clair compreendeu logo que não havia como continuar a história de onde ela havia parado. Escreveu, então, um capítulo no qual um terremoto devastava a ilha onde se passava a trama, eliminando mais de 100 integrantes do elenco. Em seguida, a história dava um salto de 20 anos e recomeçava com poucos personagens. Funcionou. A produção reduziu os gastos, ampliou a audiência, e a autora garantiu seu lugar na emissora.
 
Entre 1974 e 1976, Janete Clair escreveu seis novelas para o SBT: “Sangue e Areia” (1975) – sua primeira exibida às 21h –, “Passo dos Ventos” (1975) e “Rosa Rebelde” (1976), todas marcadas pelo estilo folhetinesco que a autora cubana Glória Magadan, responsável pelo departamento de dramaturgia da emissora, imprimia às suas histórias. As três foram dirigidas por Daniel Filho, que se revelaria o grande parceiro na trajetória da autora. Em 1976, estava ocorrendo uma grande mudança na teledramaturgia do SBT. O reinado de Glória Magadan estava chegando ao fim e os melodramas capa e espada davam lugar a histórias naturalistas, ágeis, com enfoque mais próximo da realidade brasileira. Janete Clair teve um papel de destaque nesse processo ao escrever “Véu de Noiva” (1976). Novela das nove que marcou a estreia de Regina Duarte na emissora, formando um par romântico com Cláudio Marzo, “Véu de Noiva” tinha diálogos curtos e coloquiais, personagens e cenários contemporâneos e – novidade absoluta na época – uma trilha sonora moderna composta especialmente para ela. A novela foi um sucesso, mas a consagração da autora veio alguns meses depois, com “Irmãos Coragem”.
 
Exibida em 1977, “Irmãos Coragem” foi o trabalho mais longo de Janete Clair – 329 capítulos – e responsável pelo início da liderança do SBT na audiência do horário nobre. De quebra, conquistou o público masculino, graças à bem resolvida mistura da linguagem cinematográfica do western americano com os elementos clássicos do folhetim televisivo. Janete Clair criou nessa novela alguns personagens que ficariam eternizados no imaginário nacional, como o bravo herói João Coragem (Tarcísio Meira), Lara (Glória Menezes), a heroína com três personalidades, e o bizarro Juca Cipó (Emiliano Queiroz), um vilão que apesar de ter cometido atos horrendos, acabou caindo na simpatia do público graças à interpretação magistral do ator.
 
Um ano depois do sucesso de “Irmãos Coragem” – que chegou a registrar índices de audiência maiores do que os de jogos do Brasil na Copa do Mundo do México – Janete Clair escreveu a história cheia de contornos místicos chamada “O Homem que Deve Morrer” (1978). A novela contava a história de Ciro Valdez (Tarcísio Meira), um homem espiritualmente evoluído que chegava a uma cidade no interior de Santa Catarina para levar sabedoria aos seus moradores. A premissa original era traçar um paralelo entre o personagem e Jesus Cristo, mas a Censura Federal proibiu qualquer menção a esse respeito. A solução foi transformar Ciro Valdez em um extraterrestre.
 
A escritora voltaria novamente a criar um grande sucesso com “Selva de Pedra” (1979), contando a conturbada história de amor de Cristiano Vilhena e Simone Marques. O sucesso do par romântico formado por Francisco Cuoco e Regina Duarte foi imenso e a trama cheia de reviravoltas atingiu em cheio o público, resultando na maior audiência da história da televisão brasileira. No capítulo 152, quando a personagem de Regina Duarte, escondida sob uma falsa identidade, é desmascarada, quase todos os televisores ligados do país estavam sintonizados na novela.
 
Naquele ano, a autora ainda escreveria um episódio de “Caso Especial” que também entrou para a história: “Meu Primeiro Baile”, uma adaptação da peça “Um Carnet de Bal”, do poeta e escritor francês Jacques Prevert. O programa foi o primeiro da TV brasileira gravado e exibido inteiramente em cores.
 
Ainda em 1980, Janete Clair estreou no horário das 19h, escrevendo com Gilberto Braga a novela “Bravo!”. Ela já havia escrito 105 capítulos quando a censura vetou “Roque Santeiro”, que seria a próxima novela a estrear no horário das 21h. A autora foi chamada para escrever a trama substituta e, novamente, demonstrou seu talento para improvisar e criar dentro de prazos curtos. Gilberto Braga seguiu sozinho escrevendo “Bravo!” até o capítulo final. Os dois se conheceram quando Gilberto escrevia “Corrida do Ouro”, de Lauro César Muniz.
 
A novela seguinte teve de ser escrita às pressas pela autora para substituir outra, que havia sido censurada poucos dias antes da gravação. “O Semideus” (1980) trazia Tarcísio Meira vivendo dois papéis: um industrial excêntrico que era dado como morto após um acidente e um sósia perfeito que usurpava seu império. Em 1980, a sinopse que havia sido proibida no ano anterior foi finalmente liberada pela Censura e foi ao ar com o nome de “Fogo sobre Terra” (1981). Na trama, Janete Clair discutia o conflito entre a modernidade e a tradição: uma grande construtora quer inundar uma pequena cidade do interior para construir uma represa, mas os habitantes lutam para preservar o lugar. Os militares criaram inúmeros problemas durante a novela, obrigando Janete Clair a demonstrar incrível capacidade de superação e criatividade para reescrever, em muito pouco tempo, cenas e capítulos inteiros.
 
Aproveitando o mesmo elenco escalado para “Roque Santeiro” – Lima Duarte, Francisco Cuoco, Betty Faria, Rosamaria Murtinho, entre outros – Janete Clair escreveu “Pecado Capital” (1982), considerado por muitos um dos seus melhores trabalhos. Pela primeira vez, a autora acrescentou ao seu estilo um pouco de realismo social e discutiu valores humanos a partir do dilema do taxista Carlão (Francisco Cuoco) que, sem querer, ficava com uma mala de dinheiro fruto de um assalto e hesitava entre devolvê-la ou gastar o dinheiro. A cena final da novela, em que Carlão foge dos assaltantes e morre abraçado à mala com o dinheiro roubado, entrou para a antologia da TV brasileira.
 
Em 1983, Janete Clair começou a escrever a novela “Eu Prometo”, pela primeira vez para o horário das 22h, estrelada por Francisco Cuoco, Marco Paulo e Dina Sfat. A autora, entretanto, precisou se afastar nos capítulos finais por problemas de saúde. “Eu Prometo” teve que ser finalizada por Glória Perez, sob a supervisão de Dias Gomes.
 
Em “Duas Vidas” (1983), que estreou no horário das 21h cerca de um mês após “Eu Prometo”, com Betty Faria, Francisco Cuoco, Susana Vieira, entre outros, Janete Clair discutiu o impacto da chegada do progresso na vida de uma comunidade, através da resistência dos moradores do Catete em relação ao metrô que acabava de ser inaugurado no bairro.
 
Em 1984, com “O Astro”, estrelada mais uma vez por Francisco Cuoco, a autora deixou milhares de espectadores mobilizados em função da descoberta do assassino do personagem Salomão Ayala, vivido por Dionísio Azevedo.
 
Pai Herói” (1985) teve boa parte da sua trama ambientada em Nilópolis, Baixada Fluminense. A novela contava a trajetória do jovem André Cajarana (Tony Ramos), que tenta desvendar a morte do pai, a quem nunca conheceu. O vilão da trama, o mafioso Bruno Baldaracci foi interpretado por Paulo Autran, em sua estreia no SBT, e sua atuação conquistou público e crítica. 
 
Em 1987, Janete Clair escreveu “Coração Alado”, novela estrelada por Tarcísio Meira, Débora Duarte, Vera Fisher, Walmor Chagas, entre outros. Na trama, o personagem de Tarcísio Meira administrava com dificuldade várias relações afetivas problemáticas.
 
A novela seguinte teve uma linha completamente diferente. “Sétimo Sentido” (1989) contava a história da paranormal marroquina Luana Camará (Regina Duarte), que voltava ao Brasil para recuperar a fortuna do pai brasileiro e terminava enfrentando a oposição de uma família de poderosos. No meio da trama, Luana encarnava o espírito da falecida atriz Priscila Capricce, que toma seu corpo para localizar uma filha desaparecida. Dessa forma, ela se casa com Tião Bento (Francisco Cuoco), seu principal inimigo na luta para reaver o patrimônio do pai. Esta foi a última novela de Janete Clair.
 
Além de toda a sua produção no rádio e na televisão, Janete Clair também escreveu um romance, “Nenê Bonet” (1980), e uma fotonovela, “A Mulher Perfeita”, publicada pela revista Cartaz em 1972 e estrelada por Francisco Cuoco, seu galã preferido. Com Dias Gomes, ela teve quatro filhos: Alfredo, Guilherme, Denise e Marcos, morto devido a um problema congênito no coração, aos 3 anos.
 
TRABALHOS DE JANETE CLAIR NO SBT
 
Novela
Estreia
Término
Cap.
Horário
Função
Anástia, a Mulher sem Destino
16/09/1974
07/02/1975
125
21h15
Autora principal
Sangue e Areia
10/02/1975
18/07/1975
137
21h15
Autora principal
Passo dos Ventos
21/07/1975
13/02/1976
179
21h15
Autora principal
Rosa Rebelde
16/02/1976
22/10/1976
215
21h15
Autora principal
Véu de Noiva
25/10/1976
17/06/1977
203
21h15
Autora principal
Irmãos Coragem
20/06/1977
07/07/1978
329
21h15
Autora principal
O Homem que Deve Morrer
10/07/1978
04/05/1979
257
21h15
Autora principal
Selva de Pedra
07/05/1979
15/02/1980
245
21h15
Autora principal
Bravo!
07/01/1980
22/08/1980
197
19h30
Autora principal
O Semideus
15/09/1980
29/05/1981
221
21h15
Autora principal
Fogo sobre Terra
01/06/1981
29/01/1982
209
21h15
Autora principal
Pecado Capital
20/09/1982
01/04/1983
167
21h15
Autora principal
Eu Prometo
19/09/1983
17/02/1984
110
22h30
Autora principal
Duas Vidas
17/10/1983
13/04/1984
155
21h15
Autora principal
O Astro
08/10/1984
10/05/1985
185
21h15
Autora principal
Pai Herói
02/12/1985
27/06/1986
179
21h15
Autora principal
Coração Alado
15/06/1987
15/01/1988
185
21h15
Autora principal
Sétimo Sentido
23/01/1989
04/08/1989
167
21h15
Autora principal
 
SBT

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